Com Kuczynski, Peru será crítico com relação à Venezuela
Uma das principais mudanças na política externa do Peru no governo do novo presidente peruano, o economista de centro-direita Pedro Pablo Kuczynski, deve ser no posicionamento peruano frente à situação na Venezuela, uma vez que o presidente eleito é um crítico do chavismo. Na área econômica, espera-se um aprofundamento nas relações comerciais com a China e os Estados Unidos, países com os quais o Peru já tem tratados de livre comércio firmados. Com o Brasil, apesar das semelhanças ideológicas entre Temer e PPK, a margem para estreitar os laços é pequena devido à instabilidade política do governo interino.
Essas são algumas conclusões das conversas mantidas pelo UOL com fontes do partido do presidente eleito do Peru e com especialistas em política internacional para saber quais serão os novos rumos da política exterior do país sul-americano.
PPK, como é conhecido o novo presidente peruano, já deu mostras de que vai mudar o tom usado nas relações entre Peru e o governo de Maduro na Venezuela. Na quinta-feira (9), antes mesmo que Keiko Fujimori aceitasse a derrota, um dos primeiros líderes internacionais em parabenizar PPK pela vitória foi o líder oposicionista venezuelano Henrique Capriles.
Por meio do Twitter, Capriles escreveu: “Da nossa amada Venezuela, em [situação de] emergência, felicitamos ao novo presidente eleito do Peru. Não esqueça a terra de Bolívar!”. Na sexta-feira (10), também por meio da rede social, PPK afirmou que “os peruanos democráticos levamos a Venezuela no coração. E na memória!”.
.@hcapriles Los peruanos demócratas llevamos a Venezuela en el corazón. ¡Y en la memoria! Gracias amigo.
— PedroPablo Kuczynski (@ppkamigo) 10 de junho de 2016
A oposição de PPK ao chavismo não é recente. Nas eleições presidenciais de 2011, Kuczynski foi o terceiro colocado, ficando atrás de Keiko Fujimori e do atual presidente e então candidato progressista Ollanta Humala. Na ocasião, o economista apoiou Fujimori no segundo turno.
Nesta campanha, ao ser questionado sobre seu apoio à filha do ex-ditador no passado, PPK afirmou: “em 2011, o chavismo estava às portas do Peru, através do candidato Humala. Era nosso grande perigo. Decidi, engolindo meus escrúpulos, votar na Keiko”.
A proximidade de Humala com o chavismo, contudo, deu-se de fato na primeira candidatura do atual presidente, em 2006, quando Hugo Chávez declarou publicamente seu apoio ao então aspirante à presidência. Em 2011, Humala moderou o discurso e recebeu o apoio do escritor Mario Vargas Llosa e do ex-presidente Alejandro Toledo, críticos do chavismo.
Para a jurista Delia Muñoz, professora da Universidade de San Martín de Porres, em Lima, apesar disso, o governo de Humala manteve relações cordiais com Chávez e Maduro.
Segundo Muñoz, com PPK haverá uma clara mudança no tom a ser usado com o governo de Maduro.
“PPK sempre foi um liberal, defensor da liberdade e da democracia. Nunca simpatizou com o chavismo e sempre se opôs abertamente ao modelo econômico bolivariano”, afirma.
Para ela, o fato de PPK ter sido perseguido, no Peru, pela ditadura militar de Velasco Alvarado (1968-1975), que teve um viés populista de esquerda, também influencia em sua postura com relação a regimes autoritários.
Para o parlamentar andino e cientista político Alberto Adrianzen, PPK deve se somar ao coro de líderes políticos que se opõem abertamente aos rumos do chavismo.
“O governo deve priorizar a OEA em vez da Unasul [União de Nações Sul-Americanas] e da Celac [Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos], que são vistos mais como blocos ideológicos e devem ser cada vez mais debilitados com a mudança do quadro geopolítico no continente”, afirma.
Segundo ele, um dos nomes mais cotados para assumir o Ministério de Relações Exteriores no Peru é a vice-presidente e congressista eleita Mercedez Aráoz, também crítica do bolivarianismo.
Relações com o Brasil
A relação com o Brasil não deve ser prioritária para o novo presidente peruano, segundo Muñoz. Nesse sentido, PPK deve manter os acordos já firmados por Humala que, quando eleito, em 2011, prometia dar prioridade às relações bilaterais com o Brasil.
Na prática, embora o fluxo comercial entre os dois países tenha aumentado desde a redemocratização do Peru até chegar aos U$ 3 bilhões em 2015, o país vizinho acabou priorizando acordos com países do oceano Pacífico.
O Peru tem tratados de livre comércio assinados com Estados Unidos, Japão, China e União Europeia, além de ser membro da Aliança do Pacífico, bloco econômico formado também por Chile, Colômbia e México.
No fim de abril, pouco antes do afastamento da presidente Dilma Rousseff, Brasil e Peru firmaram um Acordo de Aprofundamento Econômico Comercial. Na prática, os documentos firmados chegam perto de um tratado de livre comércio e preveem a eliminação de taxas alfandegárias sobre produtos produzidos nos dois países até 2019.
Para Juan Sheput, parlamentar eleito e porta-voz do partido de PPK (Peruanos por el Kambio), o novo governo deve discutir com o Brasil a viabilidade e o financiamento de projetos como a ferrovia interoceânica, anunciada pela presidente Dilma e por Humala em 2014, vista como pouco viável e com grandes custos ambientais no Peru. O projeto, que seria financiado pelo governo chinês, ligaria Brasil, Bolívia e Peru e seria uma rota mais barata para as exportações brasileiras à China.
De acordo com Sheput, que foi ministro do Trabalho no governo Alejandro Toledo (2005), “desde o governo Lula, priorizou-se a participação de grandes empresas brasileiras em matéria de infraestrutura, mas houve um descuido com o que havia antes na relação entre Peru e Brasil, como o intercâmbio cultural e acadêmico. Agora, devemos voltar a dar atenção também a essas áreas. O Brasil tem excelentes universidades e poderíamos estreitar parcerias”.
Sobre a presença de construtoras brasileiras investigadas na Lava Jato no Peru, Sheput defende que o próximo congresso, de maioria fujimorista, mantenha investigações sobre o envolvimento de empresas como Odebrecht e OAS em superfaturamento em obras públicas e pagamentos de propinas nos últimos governos peruanos.
Contudo, na relação com o Brasil, segundo Terra Budini, professora do curso de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), a indefinição quanto aos rumos da crise política no Brasil retarda decisões importantes na relação com outros países. “Por mais que haja uma identificação ideológica com o governo interino, as grandes decisões ficam suspensas por conta da instabilidade da situação política brasileira”, afirma.
Quanto à relação com o Mercosul, Alberto Adrianzén acredita que o fato de a Argentina ter entrado na Aliança do Pacífico como país observador pode ajudar na confluência entre os dois blocos econômicos.
Entretanto, para Sheput, o Mercosul enfrenta problemas de liderança política e a presença da Venezuela no bloco dificulta sua dinamização. “Junto com a Unasul, o Mercosul tem se posicionado como um bloco mais ideológico. Agora, [com Macri e Temer], é possível e desejável que isso mude”, afirma.
Tratado Transpacífico
O Tratado Transpacífico (TTP), que forma um grande bloco entre 12 países com litoral no Pacífico, entre os quais estão EUA, Canadá e Japão, foi negociado, no Peru, durante o governo Alan García, de centro-direita, e assinado por Ollanta Humala, de centro. A PPK caberá tramitar a ratificação do acordo no Congresso.
Entretanto, o tratado recebeu críticas nos países que o firmaram por ter sido negociado de forma pouco transparente e sem discussão com setores da sociedade civil dos Estados-membros.
Para Terra Budini, “o TTP tende a favorecer as grandes transnacionais, que podem acionar os governos dos países participantes do acordo por meio de arbitragem”, evitando, assim, submeter-se a eventuais mudanças na legislação nacional de cada país que afetem seus interesses.
Segundo a professora da PUC-SP, “para o Peru, a vantagem seria um maior acesso a mercados, algo importante para a economia local, dependente da exportação de commodities minerais como o cobre e o ouro”.
No Peru, a imprensa local questiona principalmente o acordo de respeito a prazos de patentes de medicamentos. Segundo o jornal peruano “La República”, o governo Humala aceitou dar de cinco a oito anos de exclusividade de patentes de medicamentos “vitais para tratamento de câncer e doenças autoimunes”. Isso aumentaria o prazo de espera para o início da produção de medicamentos genéricos no país. Embora em seu programa de governo, Kuczynski tenha prometido ratificar o tratado, o candidato afirmou em entrevistas à imprensa local que a questão dos fármacos “é um tema que preocupa” no TTP.
De acordo com Sheput, “as patentes dos medicamentos e a proteção da nossa biodiversidade são temas que precisam ser seriamente discutidos pelo congresso. Ainda não há uma posição oficial do governo com relação a isso”.
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